27 janeiro 2011

Mulherzinhas Emancipadas

Tem um trecho de “Alice no Pais das Maravilhas” em que a menina trava um diálogo com o Gato de Cheshire, que mexe demais comigo... Transcrevo-o:
“Gatinho de Cheshire”, começou, muito timidamente, por não saber se ele gostaria desse tratamento: ele, porém, apenas alargou um pouco mais o sorriso. “Ótimo, até aqui está contente”, pensou Alice.

E prosseguiu: “Você poderia, por favor, me dizer qual é o caminho para sair daqui?”
“Depende muito de onde você quer chegar”, disse o Gato.
“Não me importa muito onde...”, foi dizendo Alice.
“Nesse caso não faz diferença por qual caminho você vá”, disse o Gato.
“... desde que eu chegue a algum lugar”, acrescentou Alice, explicando.
“Oh, esteja certa de que isso ocorrerá”, falou o Gato, “desde que você caminhe o bastante”.

A velha idéia de que a gente tem que saber o que quer e aonde quer chegar... E por trás de cada escolha, ainda viver sob a opressão dos resquícios da falida sociedade vitoriana, regida pela ideia de culpa e punição e pelo racionalismo científico.

Confesso que me vejo no tédio de Alice com o mundo ao seu redor, que a leva a sair em busca de prazer e diversão numa terra fantástica, onde a punição inexiste – já que nem mesmo as ordens da Rainha do País das Maravilhas de cortar a cabeça dos desafetos são levadas a sério...

Adoro o fato de que os obstáculos, que aparecem em sua aventura, não são superados pelo uso da razão ou por experimentações científicas, e sim por acontecimentos mágicos. Desses que a gente se depara, vez ou outra na vida cotidiana... E que quem muito se preocupa com a causalidade e a lógica, com o certo e o errado,  não raramente  deixa de viver...

Quem se permite, no entanto, no meio de todo o nonsense, vai descobrindo quem é, decidindo o que quer, até aonde e quanto basta caminhar... No percurso, vai convivendo com a multiplicidade de verdades, encarando as próprias contradições, rebelando-se e questionando certos padrões sociais... Sem medo de assumir que não importa muito onde vai chegar – o caminho, em si, já vale a odisséia!...

”É o desejo que cria o desejável e o projeto que lhe põe fim”, palavras de Simone. Por hoje o que eu quero é viver – isso, aquilo, aquilo outro... De resto, não sei mais nada... 

Cansei de elocubrar se os fins justificam os meios, ou vice e versa... Aprendi a assumir que essa discussão não faz o menor sentido, já que, com uma certa freqüência, os meios modificam os fins e vice e versa! “Ajusto-me a mim, não ao mundo”, já disse Anaïs.

Quanto a compreender, prefiro a poesia à lógica e fico com a sabedoria de Clarice: “viver ultrapassa todo o entendimento”. 

Para lidar com as pedras do caminho, faço uso da experiência de Cecília, que aprendeu com as Primaveras a se deixar cortar para poder voltar sempre inteira. Além disso, confio na minha natureza de mulher: desdobrável, como bem descreveu Adélia, pouco depois de dizer que:  “... dor não é amargura. Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô.”

Alice de Lewis Carrol, Anaïs Nin, Simone de Beauvoir, Clarice Lispector, Cecília Meireles, Adélia Prado e, por que não, Mirella e tantas outras: mulherzinhas emancipadas!